Grandes cidades do Brasil vêm se beneficiando de novos estabelecimentos e público
Um pequeno trecho da Barra Funda, em São Paulo, concentra serviços fundamentais da prefeitura voltados para pessoas em situação de rua. É o caso do Centro de Acolhida Especial para Pessoas em Período de Convalescença, exclusivo para quem não tem onde morar e teve alta hospitalar.
Na mesma rua, por sinal, a Boracéia, há uma Unidade Básica de Saúde e uma Assistência Médica Ambulatorial. A duas quadras de distância, encontra-se o Núcleo de Convivência para Adultos em Situação de Rua.
Tudo isso para dizer que essa área convive, sim, com uma realidade que muita gente prefere ignorar ou manter a distância. Mas nada que tenha dificultado a construção de uma série de prédios residenciais de alto padrão. Ou que esteja impedindo a região de se converter em um reduto de jovens e adultos descolados.
Um dos fatores que estão atraindo essa turma é uma porção de empreendimentos gastronômicos moderninhos, como a Trilha Fermentaria. A uma quadra da UBS Boracéia, é o mais recente da lista — abriu as portas em novembro.
“A gastronomia tem um poder gigantesco para transformar regiões pouco frequentadas, pois ela é capaz de mover as pessoas para qualquer canto”, diz Daniel Bekeierman, um dos sócios. “Só por atrair mais gente para esse trecho da Barra Funda já estamos contribuindo com a melhoria dele, o que nos enche de orgulho.” A Trilha Fermentaria ocupa um galpão de 650 m2 onde cabem até 100 pessoas em pé ou 50 sentadas. Tocada por garçons de macacão vermelho, dispõe de 18 torneiras de chope.
Atualmente, todos os chopes são elaborados na unidade de Perdizes, que deverá ser reformada em 2023 para acomodar mais gente e dar adeus à produção. Nas próximas semanas, porém, a nova fábrica da cervejaria, na rua Anhanguera, também na Barra Funda, deverá entrar em operação. Com a mudança, a produção, a cargo do mestre-cervejeiro Beto Tempel, vai saltar de 7 mil para 13 mil litros por mês.
Diferentemente da matriz, a filial tem cozinha. Ela expede petiscos como peixe curado, servido com picles de erva doce, maçã verde e iogurte (R$ 29) e uma dezena de pizzas que levam malte na massa e a mesma levedura das cervejas. Uma das coberturas combina beterraba, queijo de cabra, radicchio e amêndoa (R$ 50).
“Geralmente, todo mundo torce o nariz para a abertura de um bar na rua em que mora”, registra Bekeierman. Mas ele diz que os vizinhos comentam como gostam de terem a Trilha por perto, também por ser mais uma opção. A novidade é vizinha de porta do Komah, o coreano mais elogiado da cidade. As demais atrações gastronômicas do bairro, no entanto, ficam do outro lado dos trilhos do Metrô e da CPTM.
A gastronomia é um dos principais ingredientes de um projeto imobiliário que planeja repaginar a região do largo da Batata, em Pinheiros. Desenvolvido pela Jacarandá Capital, uma gestora de investimentos imobiliários, foi batizado de Lapi, junção das primeiras sílabas de largo e Pinheiros. Para a primeira etapa, que vai custar R$ 270 milhões, foram adquiridos cerca de 40 imóveis, muitos dos quais em petição de miséria. Tudo somado, são mais de 20 mil m2.
A meta é alugar todas essas propriedades, até 2024, para empreendimentos gastronômicos, lojas de roupas e acessórios, galerias de arte e afins. Apenas 11 imóveis serão demolidos em razão de danos estruturais. E o objetivo é utilizar os resíduos ao máximo — na confecção do piso das áreas comuns, por exemplo. Os demais imóveis serão reformados e interligados, pois o complexo prevê acesso pelas ruas e por vias exclusivas para pedestres que serão construídas dentro das quadras adquiridas.
“O público dos empreendimentos que vão se instalar no Lapi ajudará a ocupar o largo da Batata em diferentes horários e dias da semana, mudando um pouco a dinâmica da região”, diz Eduardo Cytrynowicz, um dos fundadores da Jacarandá Capital.
Segundo ele, a região nunca foi revitalizada de fato porque, apesar de melhorias como a estação do Metrô na avenida Faria Lima, a ocupação avançou a passos tímidos. “Estamos ocupando um espaço nobre de São Paulo, pelo qual passam milhares de pessoas diariamente, e ampliando a utilidade dele”, completa o investidor.
“Focamos a requalificação de propriedades e na integração delas com o entorno. Estamos aproveitando oportunidades que usualmente são negligenciadas pelos incorporadores tradicionais.”
Quem duvida do que a gastronomia pode fazer por regiões abandonadas deveria visitar o Mercado Novo, no centro de Belo Horizonte. Até 2018, ele era conhecido por um inegável ar de abandono, apesar de vender artigos como velas e uniformes e oferecer toda sorte de serviços gráficos, além de abrigar uma feira noturna.
No segundo andar, onde cerca de 40 negociantes resistiam, um grupo de jovens empresários inaugurou naquele ano um bar e um restaurante — a Distribuidora Goitacazes e o Cozinha Tupis —, nos quais foram investidos R$ 160 mil.
No Mercado Novo, o sucesso foi imediato, o que levou uma centena de negócios parecidos a se instalar no local — e torná-lo um dos mais concorridos da noite em BH.
A ambientação e a comunicação visual adotadas pela maioria dos empreendimentos novos, começando pela Cozinha Tupis e pela Distribuidora Goitacazes, foram inspiradas na atmosfera vintage do próprio mercado. Até o terceiro andar, antes às moscas, ganhou novas lojas. E os boxes, que custavam por volta de R$ 15 mil, hoje saem por R$ 120 mil em razão do sucesso.
O estrondoso sucesso do Mercado Novo motivou outras iniciativas parecidas na cidade. Voltada para a praça Raul Soares, também no centro de Belo Horizonte, a Galeria São Vicente era conhecida, até há pouco tempo, só pelas oficinas que consertam máquinas de costura. À noite vivia às moscas. Com a abertura de dois bares descolados no segundo andar — o Palito e o Pirex —, recebe um fluxo intenso de jovens até alta madrugada. Tem tudo para atrair novos empreendedores do ramo.
No Sul, a cidade de Porto Alegre foi dividida em distritos até 1957, sendo o 4º deles designado para abrigar o polo industrial e impulsionar o desenvolvimento econômico da capital gaúcha. Com o passar dos anos, essa divisão foi extinta, as indústrias deixaram o local, e a região se tornou uma das menos valorizadas da cidade. Apenas a nomenclatura "4º Distrito" foi mantida.
Foram várias as tentativas de revitalização desta área desde então, mas apenas a partir de 2022 elas passaram a ganhar força. Essa mudança aconteceu em vista do projeto destinado à sua recuperação, que conta com um plano diretor específico e foi aprovado pela Câmara de Vereadores e sancionado pelo prefeito.
O local é situado em um ponto estratégico no centro da capital, garante um fácil acesso às demais regiões da cidade, abriga um aeroporto e também é conhecido por acomodar a Arena do Grêmio. Ele vem experimentando a adesão por diversas empresas de tecnologia, novos prédios para habitação (o que por muito tempo não foi permitido pelo plano diretor) e diversos bares e restaurantes, que tornaram os bairros do 4º Distrito muito mais charmosos.
Os galpões que já foram abandonados hoje transbordam vida e a região já é conhecida como polo cervejeiro da cidade, com mais de 15 bares que produzem a própria cerveja, além de outros estabelecimentos especializados na fabricação do produto.
.Fonte: Valor