Rabada, feijoada, galinha com quiabo, acarajé, canja, pirão e angu. Muita gente não sabe, mas os sabores da culinária africana estão mais perto do que se imagina. A mistura de aromas e temperos formam pratos de dar água na boca, que podem ser encontrados na mesa de qualquer brasileiro. A cozinha africana foi responsável por introduzir o leite de coco, o azeite de dendê, a banana-da-terra, a pimenta malagueta, o inhame e o gengibre no nosso cardápio. Foi ela, também, que nos ensinou técnicas de cozimento e desvendou o poder de uma comida temperada e picante.
No entanto, para conhecer mais sobre a verdadeira gastronomia africana e a formação da culinária brasileira é preciso mergulhar nos costumes de um continente complexo e diversificado. Cada um dos 54 países possui uma característica particular em seus pratos. Para descobrir o que eles têm em comum, principalmente com o Brasil, a arquiteta Flávia Portela pesquisou sobre a cozinha africana durante cinco anos. O resultado foi publicado no livro Gula d’África – O sabor africano na mesa do brasileiro (Editora Senac-DF), que acabou de ganhar o prêmio internacional Gourmand Awards, na categoria melhor livro de culinária estrangeira do mundo. “As pessoas não percebem, mas a culinária africana está completamente enraizada na nossa cozinha. Os escravos chegaram aqui no Brasil sem nada e conseguiram adaptar os ingredientes deles aqui”, conta a autora.
As negras africanas começaram a trabalhar nas cozinhas dos Senhores de Engenho e introduziram novas técnicas de preparo e tempero dos alimentos. Também adaptaram seus hábitos culinários aos ingredientes do Brasil. Assim, foram incorporados aos hábitos alimentares dos brasileiros o angu, o cuscuz, a pamonha e a feijoada, nascida nas senzalas e feita a partir das sobras de carnes das refeições que alimentavam os senhores; o uso do azeite de dendê, leite de coco, temperos e pimentas; e de panelas de barro e de colheres de pau. Os traficantes de escravos também trouxeram para o Brasil ingredientes africanos como é o caso da banana, ícone de brasilidade mundo afora e da palmeira de onde se extrai o azeite de dendê.
Sincretismo gastronômico
Para Flávia, o prato que resume a influência africana no Brasil é a feijoada. “É uma iguaria feita com restos de comida da casa grande, que não serviam aos patrões”, diz a arquiteta. Outro exemplo, é o típico cozidão, preparado com cenoura, batata, abóbora e carne, feito em várias regiões da África. A fritura é pouco usada nos países africanos, os pratos, geralmente, são assados ou cozidos. Como muitos países vivem da agricultura, verduras e legumes são peças-chaves para a composição de um prato.
O azeite de dendê é uma adaptação do azeite de palma africano. A rabada, prato típico da África do Sul, tem temperos diferentes da versão brasileira, como cravo da índia e alcaparras. A canja de galinha da Guiné-Bissau é feita com tomate e hortelã. O baião de dois foi inspirado no Waakye do Gana e é preparado com caldo de camarão e tomate, além do arroz e feijão. “A comida africana é simples, mas bem temperada. Essa foi uma das influências para a culinária brasileira. O azeite é carregado e a pimenta, forte”, explica Flávia.
Ken Pontes sabe muito bem disso. O pai dele, Vitor Manoel, é angolano e proprietário do restaurante Oca da Tribo. Ele nasceu em Brasília, mas dos 2 aos 12 anos morou em Luanda com a família. Lá, conseguiu vivenciar os costumes da culinária angolana. Os pratos típicos, como a muamba — frango com molho de dendê e quiabo — e o pirão funjí, feito com farinha de mandioca do tipo bijú, estão na memória. “Minha família é vegetariana. Mas eu tinha muitos amigos nativos (angolanos) e via o jeito que comiam. A refeição é uma reunião, eles colocam as duas panelas no chão e comem com a mão mesmo”, explica.