“Existe uma defasagem de inflação de alimentos que não conseguimos repassar. Dessa forma, o nosso setor, provavelmente, vai subir preços acima da inflação neste ano também. É impossível continuar operando com mais da metade das empresas sem fazer lucro”, afirma Paulo Solmucci, presidente executivo da Abrasel
A sequência de piora nas projeções de inflação para 2023 e 2024, acumuladas nas últimas semanas, deve dificultar ainda mais a situação do Banco Central (BC) para reduzir a taxa básica de juros (Selic), atualmente em 13,75% ao ano.
No cenário atual, economistas já projetam que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deve encerrar 2023 em 6%, acima do teto da meta definida pelo governo, que é de 4,75%. A nova estimativa de inflação é quase 1 ponto porcentual a mais do que se previa na virada do ano. Para 2024, as projeções já estão em 4%.
A deterioração do quadro da inflação ocorre por vários motivos. Ela tem a ver com as ações que o governo Jair Bolsonaro adotou no ano passado e os sinais confusos do início da administração de Luiz Inácio Lula da Silva na área econômica, sobretudo com relação ao rumo da política fiscal.
“Basicamente, todas as revisões que temos feito neste ano têm sido por conta de preços administrados (serviços e produtos com reajustes definidos por contratos ou regulados pelo setor público)”, afirma Júlia Passabom, economista do Itaú Unibanco. O banco aumentou de 5,8% para 6,3% a previsão para a inflação deste ano. Os administrados devem subir entre 10,5% e 11%.
A lista de medidas que vão influenciar os administrados inclui a volta da cobrança de PIS e Cofins sobre gasolina e etanol e a de ICMS (imposto estadual) sobre eletricidade.
Em 2022, de olho na sua campanha à reeleição, Bolsonaro colocou em marcha uma série de medidas tributárias para ajudar no controle da inflação. Ele zerou tributos sobre combustíveis e sancionou um projeto aprovado pelo Congresso que limitou a alíquota de ICMS sobre combustíveis, energia elétrica, telecomunicações e transporte coletivo. As medidas foram criticadas do ponto de vista fiscal por ocasionar perda de arrecadação sem uma contrapartida.
“Isso foi decisivo para termos uma inflação de 5,8% em 2022, ou o resultado seria um IPCA entre 8,5% e 9%”, afirma André Braz, economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas.
Serviços em alta
Com o arrefecimento da pandemia, os brasileiros voltaram a frequentar bares e restaurantes e a viajar. Mas se defrontaram com a alta da inflação dos serviços. Em 2022, a inflação de serviços teve alta de 8%, índice que continuou acelerando neste início de ano. Em 12 meses até janeiro, foi para 8,35%, e a perspectiva é de que alcance 8,85% neste mês, nas contas do economista Fabio Romão, da LCA Consultores.
A mudança de hábito com a queda nos registros de casos de covid-19 impulsionou a subida de preços dos serviços, e os prestadores, por sua vez, aproveitaram para repassar os aumentos de custos. Isso explica, segundo o economista, a alta dos preços no segmento.
O economista Heron do Carmo, da FEA/USP, também lembra que o salário mínimo é importante na formação de preços dos serviços, um setor intensivo em mão de obra. “Tivemos um aumento do salário até um pouquinho acima da inflação, o que é bom, mas isso contribui para a inércia inflacionária”, diz. Na prática, mantém os preços dos serviços sob pressão.
Como efeito desse quadro, consumidores já tentam “escapar” da inflação de serviços. Pesquisa da consultoria Bain & Company, feita no fim do ano passado, mostra que 38% das cerca de 1,5 mil pessoas ouvidas passaram a reduzir as idas a restaurantes e cafés. Elas voltaram a fazer refeições e a consumir bebidas em casa.
No acumulado de 12 meses até janeiro, a alimentação fora de casa aumentou 7,82%, acima, portanto, do índice geral, que subiu 5,77% no período.
“Nós passamos muito tempo sem conseguir subir (os preços), especialmente na pandemia”, afirma Paulo Solmucci, presidente executivo da Abrasel. “De junho do ano passado para cá, quando os (preços dos) alimentos começaram a dar uma certa folga, passamos a recuperar um pouco dessa margem.”
Um levantamento realizado pela entidade em janeiro aponta que 40% dos empresários do setor repassaram para seus preços a média da inflação e 10%, acima do índice.
“Existe uma defasagem de inflação de alimentos que não conseguimos repassar. Dessa forma, o nosso setor, provavelmente, vai subir preços acima da inflação neste ano também. É impossível continuar operando com mais da metade das empresas sem fazer lucro”, afirma Solmucci. A pesquisa da entidade também indicou que 19% dos empresários operam seus negócios com prejuízo.
Fonte: Estadão